O GRITO DA SOLIDÃO - Parte 1

"Deus meu. Deus meu, por que me desamparaste?"
Mateus 27.46.

Para os que tiveram de suportá-lo, o verão de 1980 em Miami não foi nada agradável. O calor da Flórida escaldava a cidade durante o dia e a assava à noite. Tumultos, saques e tensão racial ameaçavam romper os nervos desgastados das pessoas. Tudo subia: o desemprego, a inflação, o índice de criminalidade e especialmente o termômetro. Em meio a tudo isso, um repórter do Miami Herald conseguiu uma história que deixou toda a Costa do Ouro sem fôlego. Foi a história de Judith Bucknell. Atraente, jovem, bem-sucedida e morta.


Judith Bucknell foi o crime número cento e seis nesse ano. Ela foi assassinada numa noite quente, a nove de junho. Idade: 38 anos. Peso: 45 kg. Esfaquea­da sete vezes. Estrangulada.


Ela mantinha um diário. Se não fizesse isso, talvez a sua memória fosse sepultada com o seu corpo. Mas o diário existe; um epitáfio penoso de uma vida soli­tária. O correspondente fez este comentário sobre os seus escritos:

Em seu diário, Judy criou um personagem e uma voz. O personagem é ela mesma, ansiosa, lu­tando, cansada; a voz é cheia de desejo. Judith Bucknell deixou de fazer ligação; idade 38, muitos amantes, muito amor oferecido, nenhum retribuído.


Suas dificuldades não eram incomuns. Ela se preocupava com envelhecer, engordar, casar-se, ficar grávida e com a passagem do tempo. Morava na ele­gante Coconut Grove (que é o lugar onde você mora quando vive sozinha, mas procura aparentar felicida­de).


Judy era o modelo perfeito do ser humano confuso. Metade de sua vida não passava de fantasia, a outra metade de pesadelo. Bem-sucedida como secretária, mas uma negação no amor. Seu diário estava repleto de anotações assim:

Onde estão os homens com as flores, a cham­panhe e a música? Onde estão os homens que telefonam e pedem um encontro verdadeiro? Onde estão os homens que querem comparti­lhar mais que minha cama, minha bebida, meu alimento... Eu queria ter em minha vida, uma vez antes que passe pela vida, o tipo de rela­cionamento sexual que faz parte de um contato de afeto.


Ela nunca teve.


Judy não era uma prostituta. Ela não era viciada, nem um caso do departamento de bem-estar social. Jamais foi presa. Não era repudiada pela sociedade. Era respeitável. Dava festas. Usava roupas de boa qualidade e tinha um apartamento que olhava para a baía. E era muito solitária. "Vejo as pessoas em grupo e fico com tanta inveja que quase desmaio. E eu? E eu?" Embora rodeada de gente, se achava numa ilha. Apesar de ter muitos conhecidos, possuía poucos amigos. Embora tivesse muitos amantes (59 em cin­qüenta e seis meses), tinha pouco amor.


"Quem vai amar Judy Bucknell?" o diário conti­nua. "Sinto-me tão velha. Mal amada. Indesejada.


Abandonada. Usada. Quero chorar e dormir para sempre."


Uma mensagem clara transparecia de suas pala­vras doloridas. Embora seu corpo morresse a 9 de junho, ferido de faca, seu coração morrera muito antes... de solidão.


"Estou sozinha", escreveu ela, "e quero compar­tilhar alguma coisa com alguém."

Solidão.


É um grito. Um gemido, um lamento. Ê um sus­piro cuja origem está nos recessos de nossas almas.


Você pode ouvi-lo? A criança abandonada. Os divorciados. A casa silenciosa. A caixa do correio vazia. Os dias longos, as noites mais longas ainda. Esperar em vão por uma noite. Um aniversário esque­cido. Um telefone silencioso.


Gritos de solidão. Ouça de novo. Desligue o baru­lho do trânsito e da TV. O grito ali está. Nossas cidades estão repletas de Judy Bucknells. Você pode ouvir seus gritos. Pode ouvi-los nas enfermarias, entre os suspiros e os pés se arrastando. Pode ouvi-los nas prisões entre os gemidos de vergonha e os apelos por misericórdia. Pode ouvi-los se andar pelas ruas bem tratadas, entre as ambições fracassadas. Procure ouvir nos corredores de nossas escolas, onde a pressão dos colegas separa os ricos dos pobres.


Este lamento em nota menor conhece todos os escalões da sociedade. Desde cima até embaixo. Des­de os fracassos até os que têm fama. Desde os pobres até os ricos.Dos casados aos solteiros. Judy Bucknell não estava só.


Muitos de vocês foram poupados deste grito cruel. É claro que tiveram saudade de casa ou ficaram perturbados uma ou duas vezes. Mas, desespero? Longe disso. Suicídio? De modo algum. Fique conten­te porque ele não bateu à sua porta. Ore para que isso jamais aconteça. Se não tiver travado ainda esta bata­lha, deve continuar lendo se desejar, mas estou na-verdade escrevendo para outra pessoa.


Estou escrevendo para aqueles que conhecem este grito de primeira mão. Para aqueles de vocês cujos dias estão cheios de corações partidos e noites compri­das. Para aqueles que podem encontrar um indivíduo solitário simplesmente olhando no espelho.


Para vocês, a solidão é um estilo de vida. As noites de insónia. O leito solitário. A desconfiança. O medo do amanhã. A mágoa sem fim.


Quando começou? Na sua infância? Por ocasião do divórcio? Ao aposentar-se? No cemitério? Quando os filhos saíram de casa?


Talvez você, como Judy Bucknell, enganou todo mundo. Ninguém sabe que é solitário. Por fora a embalagem é perfeita. Seu sorriso é rápido. Seu emprego é estável. Suas roupas são finas. Sua cintura é delgada. Sua agenda está cheia. Seu andar é enérgi­co. Sua conversa impressiona. Mas quando se olha no espelho, não engana ninguém. Quando está sozinho, a duplicidade acaba e surge o sofrimento.
[...continua]


Trecho do Livro: "Seu Nome é Salvador - Não é de admirar que o chamem assim" de Max Lucado
Editora Mundo Cristão

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